Sakutaro Hashizume
De Nikkeypedia
Família Hashizume: mais de 80 anos de Brasil (1926 - 2007)
Quando decidiram abandonar as montanhas isoladas da província de Wakayama, no Japão, para embarcar com toda a família rumo a um território desconhecido do outro lado do mundo, Sakutaro e Sueno Hashizume tinham um objetivo primário e fundamental: garantir a sobrevivência de seus filhos. Naquela época, a previsão de uma severa seca e dificuldades na lavoura atormentavam os camponeses da pequena Kumanogawa, situada às margens do rio de mesmo nome, quase na tríplice divisa com as províncias vizinhas de Mie e Nara. A ameaça cruel da fome batia a porta daqueles humildes agricultores e de seus descendentes.
Nove anos antes, Manjiro Kinoshita, irmão de Sakutaro, aportara em território brasileiro na tentativa de construção de uma nova vida nos trópicos. A troca de correspondência entre os dois foi crucial para maturar a reaproximação das respectivas famílias numa nova fronteira chamada Brasil. Selou o destino do clã Hashizume a garantia fraternal do chefe da família Kinoshita: “Aqui vocês não passarão fome”.
Encorajados pelo apoio fraternal, o casal Sakutaro, 45 anos, e Sueno, 40, convocou os rebentos e deu início aos preparativos para a partida do arquipélago japonês. Três dos filhos já não viviam mais com os pais. O mais velho, Taichiro, já tinha 21 anos e era funcionário do escritório de uma madeireira na cidade grande de Osaka. Tokio, o segundo na escala (na época com 17), trabalhava e morava na cidade litorânea de Shingu, próxima a Kumanogawa. Com apenas 15 anos, a filha mais velha Sadae executava afazeres domésticos na casa de uma família abonada de Kobe, conhecido centro de embaixadas da época. Entre os menores que moravam com os pais, dois estudavam na localidade vizinha de Shitari - Kokichi (12) e Yasuko (9) – e as três restantes eram bem mais novas – Miyae (4), Kiyoko (2) e a recém-nascida Takae, com apenas 2 meses de vida.
Uma das principais preocupações de Sakutaro e Sueno sempre foi manter a família unida. E justamente quando providenciavam a mudança ao Brasil, o primogênito Taichiro teve que se apresentar ao serviço militar japonês. Se fosse convocado, seria obrigado a permanecer no Japão e se desligar dos familiares. Alguns poucos centímetros a menos de estatura livraram o jovem da farda e preservaram a união familiar.
O núcleo familiar completo partiu do porto de Kobe no dia 20 de fevereiro de 1926 do Japão, a bordo do Kamakura-Maru. Passaram por Hong Kong, Cingapura, Mombassa (Quênia), Lourenço Marques (antigo nome de Maputo, em Moçambique), Durban, Port Elizabeth e Cidade do Cabo (cidades da África do Sul). Depois de dois meses navegando, o volumoso clã aportou, finalmente, no Rio de Janeiro. O primeiro lugar que conheceram no Brasil foi a Hospedaria da Ilha das Flores, próximo a Niterói, atual sede de um complexo naval da Marinha. Por dez dias, permaneceram no local por questões de saúde.
Da “cidade maravilhosa”, o casal Hashizume e seus filhos pegaram um trem para São Paulo. Foram recepcionados na capital paulista por funcionários do tradicional Hotel Ueji, fundado em 1914 na Rua Tomás de Lima, um dos pontos de encontro da colônia já instalada no Bairro da Liberdade. A região era conhecida como “Conde”, por causa da Rua Conde de Sarzedas, ladeira íngreme que abrigava casas com porões e aluguéis baratos de quartos no subsolo onde se hospedaram centenas de japoneses.
Na manhã seguinte, um caminhão levou todos ao encontro dos Kinoshita, que já estavam devidamente instalados numa gleba própria na região de Aldeia de Carapicuíba. Nas imediações do km 18 da Rodovia Raposo Tavares (SP-270) - onde atualmente está em funcionamento uma grande fábrica de tintas -, as duas famílias conviveram sob o mesmo teto por meio ano. Receberam todo o apoio dos parentes no enfrentamento do início do cultivo de batatinhas em solo brasileiro. Graças ao vínculo estabelecido com o pioneiro e já proprietário de terras Manjiro Kinoshita, a família Hashizume não teve de encarar a pesada rotina como colonos nas fazendas do interior paulista, destino inicial da maioria dos imigrantes japoneses.
A primeira colheita foi decepcionante. Mas a determinação foi mais forte e, em 1927, com os recursos das vendas dos pertences na despedida do Japão que foram poupados arduamente por Sueno, conseguiram comprar um pequeno terreno. Por lá levantaram uma morada coberta com palha na propriedade onde até hoje vivem Kokiti Hashizume, o quarto filho de Sakutaro, e seus familiares, às margens do km 21 da Raposo Tavares. Nem sempre foi assim. A antiga Estrada São Paulo-Paraná, precursora da SP-270, foi inaugurada no mesmo período, mas era de terra, bastante acidentada e seguia um percurso diferente.
Nos primeiros anos no Brasil, sofreram a perda da pequena Seiko, nona filha nascida já no Brasil, que se foi com apenas dois anos. Neste início, enquanto as crianças aprendiam Português com ajuda das três filhas meninas da família Kinoshita, os filhos mais velhos de Sakutaro e Sueno suaram a camisa na lavoura. Vendiam a safra na feira do Bairro de Pinheiros, em São Paulo, mais especificamente no célebre Largo da Batata. Para aumentar a produção, arrendaram um pequeno pedaço de terra nas proximidades. Logo a terra se esgotou para o plantio de legumes.
A busca por novas áreas para o cultivo agrícola fez o primogênito Taichiro adquirir terras para viver com a sua recém-constituída família em São Roque no ano de 1934. O que no início era um conjunto de morros e brejos se converteu em plantações de uma variedade de verduras, em fartas videiras – que depois possibilitaram a inauguração de uma vinícola – e acabou se transformando nos dias de hoje no Fujiyama's Park, no Bairro do Caetê. A família Furukawa já vivia na região. Posteriormente, duas das filhas de Sakutaro se casaram com dois varões do clã Furukawa.
Em paralelo à empreitada pelo interior, Tokio desenvolveu um pequeno negócio de beneficiamento de arroz na Rua Fernão Dias, em Pinheiros, São Paulo. Impulsionado pela demanda por arroz “komê” principalmente entre os japoneses, o empreendimento se expandiu e logo foi transferido para um armazém maior na Rua Miguel Isasa. O segundo filho também casou pela primeira vez e deu início a um novo núcleo familiar. No ano de 1940, todos padeceram com o acidente fatal (um trágico atropelamento) que vitimou Sakutaro, antes das agruras da II Guerra Mundial. A essa altura, cada um dos filhos e filhas do casal que deixou Kumanogawa para fincar os pés na Aldeia de Carapicuíba já seguia caminhos próprios. São outras histórias tão ricas quanto esta que aqui se encerra que merecem ser contadas de forma particular, com todo o devido cuidado. Vale aqui, no entanto, um último registro: a valente matriarca Sueno viveu até os 89 anos até falecer em 1975.
Texto do Maurício Hiroaki Hashizume