A ira de Izanagi

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Ao ver morrer a sua amada Izanami daquela terrível maneira, o marido divino começou a chorar desconsolado, mas as lágrimas do viúvo Izanagi ainda serviriam para dar vida à deusa do pranto. Passado aquele primeiro momento de desconsolo, Izanagi encolerizou-se com o filho que foi causa da morte de Izanami e cortou-Ihe a cabeça com a sua espada. matando-o imediatamente, mas fazendo também o duplo prodígio de que o seu sangue desse vida a outras oito novas divindades, do fogo, das rochas, triturador das raízes, triturador das rochas, da chuva, do sol, do vento, dos vales, e que dos restos mortais de Kagutsuchi se fizessem nascer outras tantas novas divindades das montanhas, protetoras de caminhos, de ladeiras, do refúgio, da escuridão, dos bosques, etc. Mas tudo isso importava bem pouco ao choroso Izanagi, que queria recuperar a sua perdida esposa ao preço que fosse; de maneira que decidiu descer aos infernos e lá encontrou-a: mas também soube pelas suas palavras que a infeliz Izanami já tinha comido da mesa do país dos mortos e que, portanto, nunca podia abandonar aquele recinto infausto, se não fosse com a especial licença do deus do inferno. Com aquela promessa, Izanami desapareceu no negro interior. Passava o tempo e a amada não regressava, de maneira que Izanagi tomou um dente de um pente, ateou-lhe fogo, como se fosse uma teia, e foi pelo mesmo caminho por onde tinha visto passar antes a Izanami. Lá a encontrou, entre vermes que a devoravam e que não eram senão os oito deuses do trovão que tinham nascido da descomposição do seu cadáver. Izanagi ficou ainda mais aterrado ao ouvir a investida que lhe lançava Izanami, por tê-la humilhado com aquela contemplação do seu vergonhoso estado.

FUGA DO INFERNO

Ao grito da indignada Izanami acudiram os espíritos infernais, mas o astuto Izanagi lançou a tempo a sua coroa ao chão e esta se transformou milagrosamente num cacho de saborosas uvas, que os espíritos pararam para apanhar; depois voltaram a correr atrás dele, mas Izanagi lançou os dentes que restavam no seu pente, que agora se converteram em brotos de bambu tenro, e os espíritos voltaram a parar, apanhando-os com gula; mas os rebentos acabaram-se e os espíritos seguiram atrás de Izanagi, agora acompanhados pelos oito deuses do trovão, comandados por uma horda de mil e quinhentos demônios que a humilhada Izanami tinha mandado em auxílio dos estúpidos espíritos. Izanagi, sem deixar de fugir, brandia a espada às suas costas, matando quem se aproximava demasiado, e assim prosseguiu, até chegar a Izumo, onde está a boca do inferno, onde pôde apanhar três pêssegos maduros que arrojou contra os seus muitos perseguidores, conseguindo pô-los a todos em fuga. Agradecido, Izanagi parou. tomou fôlego e falou aos pêssegos que lhe tinham salvo a vida: como ajudaram a Izanagi, ajudem os humanos do Japão quando necessitarem de auxílio. Nesse momento, os pêssegos ficaram convertidos em frutos divinos. Mas a própria Izanami tinha ficado tão furiosa ao ver que todos Lhe falhavam que ela própria saiu para acabar com o que foi seu amado marido na vida, porque agora já não era a esposa, senão que se tinha transformado na maior deusa do inferno. Mas o veloz Izanagi soube fechar a entrada do inferno com uma enorme rocha, mas não totalmente, de modo que, quando chegou Izanami, ela ainda pôde ameaçá-lo, anunciando que se vingaria dele, matando num só dia mil humanos; mas Izanagi não se alterou perante as tremendas palavras de Izanami e respondeu-lhe que se ela matasse a mil homens, ele faria nascer outros mil e quinhentos e tapou de todo a entrada com a divina rocha, a que impede a entrada à casa dos mortos.

IZANAGI DÁ VIDA A NOVOS DEUSES

Terminada a trágica aventura do mundo subterrâneo, Izanagi decidiu que era hora de purificar-se após o seu contato com os mortos e foi ao rio Voto, em Tachibana, para submergir-se nas suas águas. De cada peça de roupa que tirou, nasceu um novo deus, até completar uma dúzia de divindades tão diversas como a do final do caminho, dos caminhantes, dos doentes, das dúvidas, da saciedade, das praias, do oceano, do alto mar, da ressaca, das costas longínquas, etc. Mas também, ao banhar-se nas águas do Voto, a poluição do reino dos mortos se transformou em duas divindades negativas, a dos oitenta males e a dos grandes males, às quais Izanagi respondeu com a criação de dois deuses benignos que reparam e purificam, à parte doutros seis deuses encarregados de velar pelo fundo, a parte média e a superfície do mar. Mas os deuses mais importantes ainda não tinham sido criados nas suas abluções, dado que foi ao lavar o olho esquerdo quando deu lugar a Amaterasu, a deusa do Sol; ao fazer a mesma coisa com o olho direito, deu vida ao deus da Lua, Suki-yomi-no-Kimoto; ao lavar o nariz, engendrou o deus Take-haya-Susa-no-o, o homem por excelência. Orgulhoso dos seus filhos partenogenéticos, Izanagi encomendou-lhes o governo do Céu, da noite e do mar, respectivamente, embora o recém-nascido Susa-no-o tivesse começado a chorar, porque não queria o reino do mar senão a região subterrânea onde estava a sua defunta mãe. Izanagi encolerizou-se ao ouvir tal pretensão e pô-lo imediatamente fora do seu lado, mas o perplexo Susa-no-o pediu ao seu pai a graça de poder elevar-se ao Céu, para ver, antes de partir para o inferno, a sua boa irmã Amaterasu. Concedida a licença, Susa-no-o sulcou os céus atrás da sua irmã, entre os tremendos sons duma Terra que se estremecia em tempestades e erupções e que se sacudia em terremotos.


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