Koryu e Gendai Budo
De Nikkeypedia
Koryu e Gendai Budo - Reflexão
Mais do que em qualquer outra época, eu tenho sido muito procurado por praticantes de outras artes que outrora não se interessavam muito pelo lado tradicional.
Acredito que tudo isto é muito normal dentro do aspecto de que o Brasil, tal como o mundo atual, está em uma constante transição onde a busca é o personagem principal.
Curiosamente me recordo de que, até o final da década de oitenta, muitos ainda achavam que o Aikijujutu era uma mistura de Aikido com Jujutsu. Pude escutar isto de renomados mestres de outras áreas. O efeito Globalização, nesse aspecto, foi muito importante na alfabetização marcial de estudiosos e de curiosos.
O efeito Gendai Budo estava impregnado na mente dos praticantes de artes marciais de todo o mundo, cujos pensamentos se restringiam apenas ao Karate, Judo, Jiu-jitsu (como é pronunciado no Brasil), kendo e outros. O sistema de graduação Dan-Kyu era o único conhecido. A utilização de termos como Shoden, Menkyo Kaiden e uma série de outras formas expressivas soavam quase como charlatanismo ou mesmo a criação de uma nova arte que não mereceria crédito nenhum.
Era uma era realmente do não conhecimento e ignorância sob o aspecto clássico japonês. Quando a verdade vinha à tona, muitos se justificavam como conhecedores, porém afirmando que aquilo não seria bom para seus alunos, justificando informarem que aquilo não existia. Interessante não? Hoje em dia, esses mesmos profissionais expressam profunda admiração pela forma tradicional dizendo que ela é o correto.
Sinceramente, no meu modo de pensar, acredito que tudo é correto quando munido de verdade e lealdade. Para mim, toda arte é maravilhosa e toda pessoa tem algo de bom a acrescentar. Embora existam opiniões e formas de expressão variadas, é do livre arbítrio de cada uma posição diante dos caminhos, de forma que não estabeleço nenhum dos lados como correto.
Acredito que nenhum país está tão bem alicerçado marcialmente como o Brasil, seja através de artes orientais ou mesmo de artes desenvolvidas em nosso território nacional. A exemplo disto podemos ver constantemente o crescente número de estrangeiros que visitam o nosso país atrás de conhecimentos marciais.
Retornando aos fatos históricos, analisamos que com a chegada do novo, já no final da era Meiji, novas propostas se iniciaram trazendo uma iminente mudança na forma de pensar japonesa até a intervenção do general Douglas MacArthur onde tudo se transformou em relação às artes antigas.
Para melhor entendimento, o indomável guerreiro do Pacífico nasceu em Little Rock, Arkansas, a 26 de janeiro de 1880. Filho de um militar de destaque, seguiu-lhe os passos e ingressou na Academia Militar, da qual saiu em 1903. Anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, atuou nas frentes de combate do continente europeu, chegando ao posto de Brigadeiro General. A ação bélica jamais o viu poupar-se aos riscos e perigos, e chegou mesmo a sofrer vários ferimentos, e acabou envolto em gases.
No mês de janeiro de 1925 atingiu o posto de Major General do Exército dos Estados Unidos - o mais jovem oficial com essa patente no exército do seu país. Em 1930, sendo presidente Herbert Hoover, foi nomeado chefe do Estado-Maior. Posteriormente, em 1936, as Filipinas agraciaram-no com a patente de Marechal-de-Campo.
Em 31 de dezembro de 1937, depois de 34 anos de serviços, MacArthur retirou-se da ativa. Apesar disso, o Presidente das Filipinas, Manuel Quezon, o manteve no posto de comandante-em-chefe do Exército Filipino.
Em 26 de julho de 1941, MacArthur foi nomeado tenente-general das forças americanas e filipinas, depois de incorporar estas forças ao exército americano, por disposição de Roosevelt. Em dezembro desse mesmo ano, 1941, deu-se o ataque japonês a Pearl Harbor e quase simultaneamente às possessões americanas e inglesas no Extremo Oriente. MacArthur, nessa emergência, resistiu na península de Bataan ao ataque dos japoneses. Por fim, em março de 1942, ante a ordem de Roosevelt que determinava a sua retirada do território ameaçado, viajou para a Austrália. Foi então que pronunciou o seu célebre: "- Voltarei..."
Até o final da Segunda Guerra Mundial, MacArthur atuou no comando das forças aliadas do sudoeste do Pacífico. Finalmente, depois da derrota do Japão, o Presidente Truman o nomeou comandante supremo das forças aliadas de ocupação. Em tal caráter, MacArthur presidiu a delegação que recebeu a rendição das forças japonesas, em 2 de setembro de 1945, na cerimônia realizada a bordo do couraçado Missouri.
O Japão foi colocado sob controle dos aliados, em especial dos americanos, por mais de seis anos após a rendição. Foram realizadas reformas políticas e sociais pelas autoridades da ocupação, comandadas pelo general Douglas MacArthur. Em 1947 foi promulgada uma nova constituição baseada nas idéias de democracia e paz. A terra cultivável foi redistribuída aos antigos arrendatários. Foram dissolvidos os principais Zaibatsu às grandes holdings familiares. Assegurou-se aos trabalhadores o direito de organizar sindicatos e de fazer greves, foram garantidas as liberdades de opinião e religião. As mulheres conquistaram o direito de voto e outros direitos. O Imperador se tornou símbolo do Estado e a soberania foi colocada nas mãos do povo.
No Japão foi proibido o cultivo de toda e qualquer arte que tivesse como sufixo a palavra "Jutsu". Com a necessidade de uma reformulação e nova adaptação nos conceitos tradicionais o "DO" se fez presente.
De uma forma ou de outra, em meio a uma série de contradições históricas, o "DO" já existia mesmo antes da intervenção de MacArthur, como podemos ver o exemplo do "JUDO".
O Kodokan foi fundado em 1882 pelo finado Prof. Kano, que foi quem criou o Judô.
O Judô derivou-se do Jujitsu, que tem muitos nomes e escolas (estilos).
O Jujitsu é uma arte de ataque e defesa sem o uso de nenhuma arma ou instrumento a não ser o próprio corpo. O Prof. Kano adotou o que havia de melhor de todos os estilos de Jujitsu , afastou as partes perigosas, estabelecendo assim o novo Judo do Kodokan baseado em seus próprios estudos e classificação.
Ele começou com apenas nove alunos em um dojô de doze tatames. Em poucos anos, o Judo do Kodokan foi reconhecido como sendo excelente uma vez que seus alunos superaram os atletas do Jujitsu no Campeonato Policial Bujitsu. Este foi de fato o primeiro degrau para um rápido progresso futuro.
O Prof. Kano promoveu o judô como prática esportiva que poderia ser praticada em todo o país. Avançando com a organização do Kodokan e formulando as normas do Judô, ele tornou-se o primeiro membro Asiático do Comitê Olímpico Internacional em1909 e trabalhou para a difusão do Judô por todo o mundo.
O Judô tornou-se uma modalidade oficial nos Jogos Olímpicos de 1964, apoiado pelos adeptos do Judô e promotores esportivos de todo o mundo. O mesmo se deu com o karate.
Gichin Funakoshi foi o homem certo que, no lugar e na época certa, deu ao karate de Okinawa o impulso de que este precisava para uma expansão que não conheceria mais fronteiras...
Precursor da chegada de outros "experts" Okinawenses ao Japão, o chamado "Pai do Karatê Moderno" trabalhou movido por uma energia feroz a fim de desenvolver a arte de seu solo natal em terras nipônicas e torna-la aceita pelos orgulhosos japoneses.
Embora de porte físico pequeno (1,67m. para 65 kg.) Funakoshi soubera impor-se por incomum energia, força mental e coragem ilimitada - aspectos que aliara a natural benevolência, distinção de maneiras e ímpar gentileza no trato a todos.
Para muitos de seus contemporâneos, Funakoshi era "mais que humano" - um "tatsujin" (indivíduo fora do comum).
Quando surgiu pela primeira vez na grande festa dos esportes organizada em maio de 1922 em Tóquio, para cumprir com a demonstração de Karate incluída de última hora em um programa de disciplinas, com sua habitual humildade, quase como se desculpando por lá estar, aos olhos do público japonês Funakoshi era um homem que passava dos 50 anos e não correspondia fisicamente, em nada, ao mito do "budoka terrível" que o Japão procurava fazer sobreviver, numa época em que a nação atirava-se a uma frenética ocidentalização iniciada em 1868 com a era Meiji.
O Karate surgiu de uma maneira diferente das outras artes marciais conhecidas no Japão (como o Jiu-Jitsu e o Judô também apresentados nesse dia). Educador nato e fino psicólogo, Funakoshi soube como seduzir o público Japonês: não demonstrou apenas Katas e formas de base, foi além, entusiasmou os assistentes colocando a eficácia em estreita relação com as técnicas cientificamente demonstradas - pela ação e pelas explicações claras e lógicas, numa linguagem que convinha ao Japão ouvir, ansioso por modernidade.
Funakoshi soube aplicar ao seu ensino uma metodologia "escolar", uma progressão perfeitamente escalonada, como aprazia ao espírito lógico dos japoneses e que valeu a seu método, o Shotokan, o sucesso e o dinamismo que se conhece.
É preciso dizer também que o desenvolvimento "dessa nova arte marcial" iria se produzir em favor da ascensão da classe militar japonesa - o que, de certa forma, alteraria a mensagem profundamente humana que Funakoshi pretendia expandir através de seu Karate-Do (fato que o mestre salientaria repetidas vezes em seus escritos pessoais).
Jigoro Kano, o criador do Judô, a partir de técnicas esparsas do Jiu-Jitsu, havia seguido o mesmo caminho de pesquisas e explicações científicas, de onde a simpatia entre os dois mestres e uma amizade que duraria até a morte de Kano. Fora, alias, a pedido expresso de Jigoro Kano, que Funakoshi aceitou ficar algum tempo mais no Japão ensinando sua arte. Como pensava em ficar uma semana, não poderia supor que nunca mais reveria as areias de Okinawa, onde deixara esposa, 3 filhos e 1 filha. Anos suceder-se-iam e o desenvolvimento do Karate solicitava cada vez mais de si, segurando-o definitivamente no voluntário exílio. Numa manhã de maio de 1922 havia começado para Funakoshi, aos 53 anos, uma nova vida, sem que esse percebesse na ocasião.
Um de seus primeiros alunos, em Meishojuku, era neto de Takomori Saigo - célebre herói samurai que havia se deixado matar a 50 anos, para defender o espírito tradicionalista do velho Japão.
A vida de mestre Gishin Funakoshi seria conhecida através de uma autobiografia escrita em 1956 sob a forma de artigos publicados no "Sangyo keizai shibun" (Jornal do Comercio e da Industria) e retomados na obra "Karatê-Do, My Way of Life", surgida em 1975.
Muitos aspectos da personalidade de Funakoshi passaram a ser conhecidos através de relatos daqueles que partilhara sua vida cotidiana. É o caso de Genshin Hironishi. Conta ele que seu mestre parecia bastante excêntrico às gerações jovens do pós-guerra (Segunda Guerra Mundial) já que ele continuava a seguir hábitos de uma época anterior à Primeira Guerra Mundial. O velho mestre recusava-se terminantemente, por exemplo, a freqüentar uma cozinha ou a pronunciar certas palavras japonesas modernas, criadas para denominar objetos que não existiam na época de sua juventude, sem os quais passava muito bem.
A primeira coisa que Funakoshi fazia de manhã era sua toalete, de 1 hora, e durante a qual escovava longamente os cabelos. Depois se voltava em direção ao Palácio Imperial e se inclinava com respeito, antes de fazer o mesmo em direção a Okinawa. Só depois desses rituais imutáveis é que tomava o chá da manhã.
Até o dia de sua morte, Funakoshi desejou ministrar mais que um ensino puramente técnico, desejou passar aos discípulos um estado de espírito, uma regra de existência, uma filosofia de vida. Nos últimos anos, deu tanta ênfase a esse segundo aspecto do karate, o aspecto moral, que levou certas pessoas o tomarem por um "velho gentil, mas ineficiente". Ingratidão, incompreensão ou ambas as coisas.
Gichin Funakoshi nasceu em 1869 em Shuri, distrito de Yamakawa-Cho, Okinawa, filho único de uma família modesta.
Aos 15 anos, o jovem Funakoshi descobria o que iria ser a grande paixão de sua vida. Seu professor, na escola comum, era filho de Yasutsune Azato, um dos maiores "experts" de Okinawa-te e de família das mais respeitadas em toda a ilha.
Numa época em que a prática de artes marcial de Okinawa era proibida pelos Japoneses, Funakoshi treinava em segredo, à noite, sem fazer alarde do que lhe ensinavam. Era obrigado a repetir mês após mês o mesmo kata, "a ponto de exasperação e humilhação" - como escreveria em suas memórias - sob a expressa proibição de passar a um novo kata sem a autorização de seu mestre.
Esse ambiente rígido iria forjar seu corpo, de natureza frágil, e fortalecer sua vontade, já obstinada. Os anos se sucediam e assim os treinos na casa de mestre Azato. Invariavelmente, noite após noite, o jovem aluno percorria o mesmo caminho, estendendo diante de si uma pequena lanterna, nas trilhas sem lua. Mas era preciso pensar também no futuro: 1888, Funakoshi conseguia passar no exame de auxiliar de mestre de escola primária. Para desespero de seus pais, submeteu-se ao corte de cabelos... Mas continuou praticando sua arte marcial.
Gichin Funakoshi falava sempre com muita emoção dos tempos de sua juventude e de mestre Azato, do qual fora, por muito tempo, segundo sua autobiografia, o único discípulo. O treinamento era severo e o mestre avaro de comentários, ainda menos de elogios aos progressos conquistados: tudo o que ouvia era "mais um pouco" e o melhor cumprimento se limitava a única palavra, "bom". Somente aos primeiros clarões da manhã é que Azato abria um pouco a alma e falava da essência da arte.
Transcorria ainda a época em que ninguém via interesse em transmitir conhecimentos por escrito; época em que o Okinawa-te, oficialmente proibido, não deixava entrever nenhuma possibilidade de carreira a instrutores profissionais; época em que cada historia contada tomava rapidamente as dimensões de lenda. Entretanto Funakoshi insiste, em suas lembranças, nunca ter presenciado, no decorrer de sua vida, façanhas que fossem além das possibilidades humanas e insiste também na idéia de que todo o homem tem seus limites. E nessa época foi Funakoshi apresentado a Yasusune Itosu, grande amigo de Azato. Soube aproveitar a oportunidade e usufruir a troca de idéias dos dois mestres a se entreterem sobre os aspectos profundos do Okinawa-te.
Promovido em sua profissão, Funakoshi foi transferido para uma escola pública de Naha. Por volta do fim do século, sempre sendo fiel a seus primeiros mestres, aprimorou sua arte e ampliou seu cabedal técnico trabalhando com Kiyuna (que era capaz de descascar um tronco de árvore com as mãos), Toona, Nigaki, Matsumura. Mas o essencial de sua bagagem técnica já estava adquirido: formara-se esta no Shuri-te (shorin) dos mestres Azato e Itosu, expressa pelos katas Heian, bassai, kanku, enpi, gangaku (termos "ajaponesados" que o próprio Funakoshi dera às formas do "daí Nippon Karate Do" a fim de não lembrar aos japoneses a origem chinesa desses katas tomados do Naha-te - shorei - como tekki, jutte, hangetsu, jion e mais uma quinzena de formas antigas).
Nos anos pré-guerra foram criados 3 katas taikyoku (discutível se formas simplificadas para iniciantes ou se formas de pura pesquisa criadas pelo filho Yoshitaka Funakoshi), assim como o ten no kata (etapa de treino para Kumitê, então desconhecido dos puristas).
Quando Funakoshi chegava aos 30 anos de idade, a "arte das mãos vazias" tinha sua primeira demonstração pública em Okinawa, em 1906, e já era ensinada nas escolas como prática esportiva - conseqüência do trabalho de Itosu. Por conseguinte, muitos japoneses (considerados estrangeiros pelos Okinawenses) puderam ter alguma noção dessa técnica até então oculta. Foi aliás devido ao relatório que Shintaro Ogawa - comissário do governo do Distrito de Kagashima - dirigiu ao Ministério da Educação, que o treinamento de kara-te passou oficialmente autorizado nas escolas.
Alguns anos mais tarde, o capitão Rokuro Yashiro assistia igualmente a uma demonstração de katas que o impressionou a ponto de dar a seus homens ordem de treinar. Em 1912, a primeira frota imperial, sob comendo do Almirante Dewa, acostava na baia de Chujo - o que permitiu a uma dúzia de oficiais selecionados estudarem a "arte das mãos vazias" por curto período de tempo. As primeiras noções desse karate entraram no Japão com o regresso daqueles oficiais. A brecha iria abrir-se ainda mais graças a uma primeira demonstração dada em Kyoto por Funakoshi, em 1916.
Enfim, no dia 6 de março de 1921, o próprio príncipe herdeiro Hiro Hito, em viagem para a Europa, fez uma escala em Okinawa e impressionou-se vivamente com a demonstração de karate feita diante dele. A partir dessa época - marcada pelo renascimento do Imperialismo no Japão e do desenvolvimento militarista - os dirigentes japoneses passaram a ver o karate-jutsu um excelente meio, entre outros, bem entendido, de fortalecer essa elite.
Já outros haviam também tentado mostrar a "arte das mãos vazias" em terras distantes, como Norimichi Yabe, em 1920, nos EUA, demonstração sem amanhã. Seria preciso esperar Mas Oyama para ai popularizar o karate, depois da Segunda Guerra Mundial.
Em maio de 1922, Gichin Funakoshi, então presidente da Okinawa Shubu Kai (associação criada para promover as artes marciais) chega a Tóquio. Em novembro assinava seu primeiro livro, "Ryukyu Kempo Karatê", igualmente primeira publicação sobre o assunto, na qual explicava o espírito de sua arte. As placas de impressão dessa obra foram destruídas pelo terremoto de 1923, o que deu lugar a nova edição, revisada, a "Rentan Goshin Karatê Jutsu". Foi em 1935 que surgia sua segunda obra, desta vez verdadeiro manual técnico, o "karatê Do Kyohan". A partir de então a popularidade da modalidade crescia tanto, a ponto de encobrir seus próprios pioneiros.
A escolha de Funakoshi, por seus pares, para ir ao Japão recaiu, foi preciso insistir no fato de que queriam que o primeiro mestre a representar oficialmente Okinawa fosse tanto embaixador e diplomata quanto técnico da arte. Gichin Funakoshi era também mestre de poesia e caligrafia, ensinava profissionalmente a ler e a escrever o idioma japonês e estava bem a par dos costumes do país com relação às boas maneiras e ao comportamento social.
Há quem pretenda, como o mestre Sochim Nagamine, que Choki Motobu tenha acompanhado Funakoshi a Tóquio por ocasião da histórica demonstração. Em sua obra "Okinawa Kempo karatê Jutsu", Motobu diz que fora ele a convidar Funakoshi para tomar o lugar de instrutor principal no Japão, visto não conhecer bem os costumes e a linguagem japonesa. Seja como for, o que é certo é que Motobu, ensinaria karatê em Osaka a partir de 1923.
Funakoshi fez numerosas demonstrações com Makoto Gima que se tornou seu discípulo favorito. Não houve, entretanto, nenhuma "ponte de ouro" Okinawa - Japão. Em seu primeiro ano no Japão, Funakoshi teve que se contentar com o dormitório dos alunos, em Suidobashi, onde vivia em peça minúscula. Durante o dia ocupava-se com os afazeres rotineiros, à noite ensinava os primeiros alunos. Seu primeiro aluno japonês foi Tanaka Kuniki. Ao lado desse ensino gratuito, Funakoshi, ganhou a vida dificilmente, graças aos seus conhecimentos de caligrafia.
Passado algum tempo, Funakoshi pode enfim estabelecer-se em Meisho-juku, num pequeno ginásio. Em setembro de 1924 fundava seu primeiro clube Universitário, em Keio; em 1926, o segundo clube, em Ichiko, Universidade de Tóquio. Em 1927, três escolas suplementares se juntam às até então existentes: Universidade de Waseda, Universidade de takushoku e Sho daí. Logo depois, outra em Hitotsubashi e mais outra e outra: de repente se dava uma explosão do karate no Japão.
Em 1930, só em Tóquio, estava aberta uma dezena de dojo, mas apesar da presença de seus filhos, agora vindos de Okinawa, Funakoshi continuava a viver só. Naquela época o ensino baseava-se inteiramente nos katas e no Bunkai, com o princípio de estudo de um kata em 3 anos: hito kata san men. Mas já, no próprio círculo de Funakoshi, alguns jovens estudavam a fim de levar "a via das mãos vazias" para uma direção mais "esportiva", sem que o próprio mestre se desse conta. Aquele tipo de ensino, à antiga, não bastava mais: a repetição fastidiosa de técnica que nunca eram experimentadas em combate começava a cansar.
A partir de 1927, três alunos de Funakoshi chamados Miki, Bo, Hirayama, puseram-se a estudar por si mesmos o assalto livre (ju-kumitê). Quando Funakoshi soube dessa iniciação e por ser fortemente contrário a essa forma de Karatê, decidiu não ensinar mais naquele dojo. O processo de erosão de uma tradição até então salvaguardada estava em marcha. Um dos próprios alunos preferidos de Funakoshi, Hironori Otsuka (futuro fundador do estilo Wado-ryu) - que acompanhava fielmente o mestre por ocasião da maior parte de suas conferências e que, aos 29 anos, era ele próprio promovido a "mestre" na arte do Jiu-jitsu Shindo Yoshin-ryu - decidiu desenvolver bem mais além os kumitês.
Em 1930, a Universidade de Tóquio foi a primeira a usar protetores feitos com base nas armaduras de Kendo a fim de tornar possível o assalto livre ou não controlado. Foram anos decisivos. Gichin Funakoshi morava então em Koishikawa, com o filho mais novo yoshitaka (Gigo). Ensinava também em um dojo de Kendô - recinto maior que todos os anteriores que havia conhecido: o Yushinkan, dirigido por Hakudo Nakayama.
É dessa época que data a mudança decisiva - muito hábil da parte do mestre - da "arte da mão chinesa" para "arte da mão vazia". Mas o movimento que Funakoshi havia lançado estava em vias de lhe escapar: seu Karate havia entrado em plena "crise de crescimento". A popularidade da arte havia se tornado tal e a demanda por instrutores tão intensa que numerosos "experts", ou assim tidos, afluíam de Okinawa e com eles surgia a inevitável rivalidade entre indivíduos e seus estilos.
No início da década de 30, Yoshitaka - o único dos filhos de Funakoshi a seguir suas pegadas, substitui o pai como instrutor na Universidade de Wasade. Enfim, em 1935, Gichin Funakoshi pode realizar seu sonho: a construção do novo e importante dojo, para agrupar os alunos cada vez mais numerosos. Um comitê se encarregou de coletar, em escala nacional, os fundos necessários e o Shotokan foi terminado no verão de 1936, no quarteirão de meijuro, Tóquio.
O nome que o comitê resolveu dar a esse dojo provinha do pseudônimo sob o qual Funakoshi assinava outrora os poemas chineses que lhe ocorria compor: "shoto" (ondulação dos pinheiros ao vento) e "kan" (edifício). Logo o velho mestre, aos 67 anos já, apenas supervisionava o ensino, a cargo de Yoshitaka.
Foi, entretanto, no decorrer dos últimos tempos de paz que Funakoshi mais se dedicou à sua obra, a ser legada para a posteridade: codificou em suas formas definitivas Katas e técnicas que iriam marcar uma geração de jovens karatekas a se tornarem por sua vez, experts altamente graduados. Foi também a época em que o "estilo Funakoshi" se tornaria internacionalmente o "estilo Shotokan": com relação ao estilo antigo, as posições se tornariam mais baixas e mais abertas, quase rente ao chão; os ataques mais longos e poderosos, desferidos com idéia de um golpe único e decisivo (chi-mei - golpe mortal), inovações resultantes de pesquisas e descobertas feitas Yoshitaka. Funakoshi não seguia o filho em tudo, mas o deixava fazer. Consta a esse respeito que Funakoshi se espantava às vezes com a maneira de executarem uma técnica, chegando a indignar-se e a perguntar aos constrangidos alunos quem os teria ensinado aquilo! E quando estes respondiam "Yoshitaka", o velho mestre interrompia seu discurso com "Ah! bem... Bem..."
Na verdade, no Japão, Funakoshi também mudara o Karate que havia aprendido em Okinawa, incorporando-lhe elementos vindos de outras artes marciais japonesas (budo), mas sobre tudo burilando-lhe a ética e criando assim uma regra de vida e uma filosofia, um verdadeiro "do" - via de perfeição a ser seguida pelo homem. Ele próprio dava o exemplo de sobriedade, educação e vivacidade de espírito.
O Shotokan foi durante anos um núcleo de futuros experts e muitos karatekas iniciantes que depois atingiriam os mais altos níveis caminharam primeiro nesta trilha. Mas Oyama, futuro criador do estilo Kyokushinkai, estudara um ano e meio no Shotokan, por volta de 1938. Deixou o dojo de Funakoshi quando Yoshitaka teria, segundo o próprio Oyama diz, sido vencido por ocasião de um Shiai oficioso em Osaka, por um praticante de Goju-ryu.
A guerra dissipou os melhores karatekas pelas unidades de combate. O ano de 1945 foi terrível: os antigos mestres foram dizimados, o Shotokan foi destruído por um bombardeio e Yoshitaka morreu de tuberculose. Sob pressão das tropas do General MacArthur, numerosos civis de Okinawa foram evacuados da ilha e, entre eles, a esposa de mestre Funakoshi, que havia sempre se recusado a deixar a terra natal - os túmulos e altar de seus ancestrais. O velho casal se encontrou em Oita, Kyushu, mas só permaneceu reunido por 2 anos: no outubro de 1947 morria a mulher de Funakoshi. O velho mestre ressentiu-se muito com mais essa perda. Levou as cinzas da esposa para Tóquio e ali viveu, em retiro, com a única companhia do filho mais velho. Somente em 1948 a proibição da prática das artes marciais impostas pelas forças armadas americanas de ocupação foi suspensa. Gichin Funakoshi, apesar da idade avançada, recomeçou a ensinar em Keio e Wasade.
Desta forma, muitos outros estilos de "KORYU" também sofreram com a chegada de uma nova era moderna substituindo o sufixo jutsu - arte - pelo sufixo do - caminho. Como exemplo: Aikijujutsu - Aikido, Kyujutsu - Kyudo, Kenjutsu - Kendo, Chanoyu - Chado e uma série de outras. Porém, o Zen ainda permaneceu no pensamento Japonês.
Traços de todas essas tendências ainda são encontradas no Japão de hoje, mas as formas inspiradas pela ioga, a disciplina e as artes marciais do Zen e do budismo tendem a trair mais o interesse geral do que o acadêmico tradicional ou ocidentalizado.
Depois da queda do último shogunato e com o fim do patrocínio do Budismo pelo Estado, deu-se uma atenção cada vez maior ao entusiasmo e apoio populares então em alta. Um dos importantes pioneiros desse movimento foi um monge zen notável, de nome Nantembö, que sacudiu o mundo do Rinzai-Zen com ataques fulminantes ao seu sacerdócio hereditário e fez campanha por um sistema de capacitação universal para os mestres rinzai-zen.
Conquanto apenas alguns discípulos desse mestre zen tenham aprendido deus ensinamentos completos, ele teve milhares de adeptos leigos, e sua influência foi amplamente difundida através de vasta correspondência, entrevistas pessoais e encontros de reavivamento do Zen, nos quais as pessoas se reuniam para fazer exercícios de concentração intensiva, pontuados por embates com o mestre.
Alguns praticantes do Zen também têm utilizado esse método em tentativas de popularizar o Zen no Ocidente, na suposição de que a rapidez e a dramaticidade de seus efeitos iniciais poderiam interessar e inspirar os ocidentais ainda não acostumados a idéias mais sutis.
Os efeitos colaterais causados pela superestimação e pela superutilização de métodos hiper-intensivos apareceram mais tarde, em gerações subseqüentes, e permanecem entre as questões que, as modernas escolas zen e os sistemas de treinamento dos movimentos que elas influenciaram têm de enfrentar. Técnicas paralelas e derivadas já apareceram no Ocidente, patrocinadas por organizações japonesas e ocidentais e usadas em contextos religiosos e seculares. Essas relíquias dos estilos marciais feudais do Zen estão tão intimamente relacionadas com o estilo jigoku (inferno) de treinamento japonês do soldado/cidadão, que sua base no Bushidö destaca-se para a análise objetiva em qualquer estudo pragmático dos pontos comuns entre as culturas japonesa e ocidental, seja na esfera da religião, seja na da educação ou da indústria.
Biblografia para História do Judo e karatê:
Apostila do Curso o "Judo em campeonatos", gentilmente cedida por Pedro Omura.
Apostila oferecida no Curso Americano "The Way of karate", gentilmente cedida por Paulo Teruo Higashi.